Calendários do advento: o bom, o mau e o vilão.

Longe vai o tempo em que os calendários do advento se limitavam a um chocolate de qualidade duvidosa por dia, que ainda assim fazia as delícias da criançada.

Os novos calendários do advento vêm sob as mais variadas formas: os clássicos chocolates – hoje com opções mais elaboradas – cafés, doces, brinquedos e até as omnipresentes meias, que já chegam mais cedo para atormentar os que não gostam de as receber nesta quadra festiva.

Ainda assim, são sobretudo os cosméticos e a maquilhagem que tornam os calendários do avento um autêntico bestseller. Todas as marcas de beleza que se prezem têm uma – ou quatro – versões, com 12 a 24 presentes, em tamanho mini ou real. Algumas marcas vão mais além, lançando versões pós-Natal – uma espécie de anti-depressivo para ajudar a suavizar o fim do ímpeto consumista da quadra – ou mesmo alusivas a outras alturas do ano.

O mote é sempre o mesmo: descobrir uma pequena recompensa por dia, um mimo para a pele ou o cabelo para experimentar na quadra festiva ou usar ao longo do ano. E, quem sabe, descobrir mais alguns “essenciais” da sua rotina de beleza, a comprar durante o ano.

Mas não se deixe ofuscar pelas purpurinas. Como em muitas versões destas “compras-surpresa”, os calendários do advento exploram a adrenalina da novidade e a armadilha do auto-cuidado. Especialmente numa altura em que andamos às compras para os outros, mas não conseguimos evitar namorar algumas peças e produtos para nós próprios. 

Na hora de considerar um calendário destes, procure ser racional e não trocar a ilusão de variedade pela utilidade real dos produtos. Aqui ficam alguns aspetos relativos ao bom, ao mau e ao vilão dos calendários do advento, bem como alternativas criativas.

O bom

 É tão fácil ver a parte boa. Quem não gosta de abrir presentes? Ter um mimo à nossa espera todos os dias do mês de Dezembro até ao Natal é uma forma de viver a quadra com mais alegria. Além disso, muitos calendários oferecem produtos novos ou que não se encontram nas lojas, em tamanhos mini fofinhos e convidativos.

Esta oportunidade de experimentar produtos novos é de ouro para quem gosta de analisar a sua rotina volta e meia e atualizar alguns produtos para versões mais eficientes ou agradáveis de usar.

Para quem costuma viajar bastante durante o ano, as miniaturas oferecidas num calendário são uma óptima forma de viajar sem tanto peso e com o encanto extra da novidade. Isto é ainda mais interessante se já compraria produtos mini de qualquer forma.

Outra vantagem dos calendários é que são bonitos e ficam a fazer parte da decoração da casa na época natalícia. São especialmente úteis para quem gosta de decorar a casa, mas prefere não ter uma panóplia de tralha para guardar. Noutros casos, as caixas bonitas e reutilizáveis dos calendários podem ser usadas de uma época para a outra, ou mesmo durante o ano.

A escolha mais sensata recai sobre uma marca que já conhece, ou que cumpre alguns dos requisitos que anda à procura – não testa em animais, é biológica, amiga do ambiente ou suporta pequenas comunidades produtoras pelo mundo – e cujos produtos queira experimentar. Ou seja, um valor seguro.

Além disso, o conteúdo não tem que ficar todo para si. Pode partilhar com a família e os amigos a alegria de abrir os presentes e de experimentar sem ter o compromisso de ficar com tudo.

 

O mau

Como diz o ditado, não há bela sem senão. Quando ponderar comprar um calendário, é muito importante vê-lo por aquilo que realmente é: um isco para um maior consumo de produtos da marca. É o golpe de marketing perfeito: a abertura de um novo produto dá aquela descarga de neurotransmissores da recompensa que é verdadeiramente viciante, e em 24 produtos, algum conquistará o coração do comprador, e consequentemente, a sua carteira.

Dê uma vista de olhos às suas gavetas e faça um diagnóstico, sem filtros nem piedade. Tem a casa cheia de produtos comprados por impulso, que iam ser a última coca-cola do deserto, mas nunca saíram da caixa? Tem mais batons e cremes de mãos do que seria humanamente possível gastar num ano, mesmo que os comesse em vez de os usar? Então talvez não seja altura de acrescentar mais tralha à coleção, mas sim de um exame ao que já tem em casa.

Se, pelo contrário, é bastante racional nas suas compras habituais e até tem “vagas por preencher” no staff dos cosméticos, passe ao passo seguinte: o escrutínio. Bem sei, é um autêntico spoiler ver de antemão que produtos há num calendário antes de o comprar, mas é a melhor forma de escolher o mais proveitoso para si.

O truque é fingir demência e esquecer o que está na lista. É fácil, basta juntar essa informação àquela gaveta velha e poeirenta do cérebro onde estão as eternas listas de afazeres não-urgentes (já trocou as pilhas da balança? Pois, bem me parecia) e projetos que nunca vão ver a luz do dia. Não invente: se não sabe o que almoçou ontem, muito menos vai saber o que sai no dia 17 do calendário.

Do conjunto dos produtos, veja os que compraria de qualquer forma e faça as contas por alto ao valor. Se for igual ou superior ao valor do calendário, pode valer a pena comprar. Se só quiser usar um ou dois produtos, mais vale investir nesses e esquecer o resto.

No fundo, é uma questão de utilidade e menor desperdício. Se nunca se maquilha, não adianta ter um calendário cheio de sombras e blush, da mesma forma que não lhe interessa ter um calendário de cremes perfumados se tem dermatite atópica e fica uma anémona cada vez que sai do espectro dos cosméticos neutros. É uma verdade óbvia, mas a mente não quer saber de verdades óbvias quando está em frente a coisas brilhantes, bonitas e com promessas irresistíveis.

 

O vilão

E eis senão quando, chegam aquelas considerações incómodas que esbatem os brilhos desta altura do ano.

Um calendário do advento cheio de produtos dificilmente é a escolha mais racional para preencher faltas de maquilhagem ou cosméticos, embora seja das mais divertidas e gratificantes. Dê a si próprio tempo para pensar, não faça a compra por impulso. E já que falamos de racionalidade económica, os saldos também são uma opção para comprar um calendário do advento fora de época. Quem sabe, talvez para fazer a contagem decrescente até às próximas férias ou viagem.

  Há um potencial grande de desperdício associado a estas compras, tanto pelas embalagens extra utilizadas, como pelos produtos que acabam por não ser totalmente aproveitados. Cabe ao cliente ser criativo e tirar o maior partido de todas as partes do calendário, quer como objeto decorativo, quer como futuras embalagens de presentes.

Há que assumir o compromisso de utilizar todos os produtos até ao final, por muito que fiquem aquém das expectativas, ou fazê-los chegar a quem os aproveite em devido tempo.

Aqui não se trata de ser um cidadão modelo ou de se pretender chegar a um nível zen de total ausência de consumismo. Não é nos extremos que reside a virtude, mas sim no equilíbrio de uma escolha sensata e o compromisso de desfrutar do que se compra para além da descarga inicial de satisfação. É neste ganho de consciência e responsabilidade no consumo que está o convite. Não é um julgamento, não é uma obrigação, é apenas uma sugestão para pensar de outra forma.

Comprar coisas novas pode e deve estar associado ao prazer de desfrutar delas, privilegiando a qualidade em detrimento da qualidade e gerando o mínimo desperdício possível.

 

Alternativas mais criativas

Se o diagnóstico cosmético em casa revelar um monte de produtos à espera de melhores dias, pode fazer sentido fazer uma outra versão do calendário do advento, que consiste em destralhar as coisas que estão a mais. A cada dia, deve escolher um produto que esteja por abrir, e das duas uma: ou abre e começa a gastar, ou passa a alguém que lhe poderá dar uso.

Há algumas instituições que apoiam mulheres com dificuldades económicas, ou em situações laborais decisivas, tais como entrevistas de emprego ou reinserção social, que podem aproveitar cosméticos e maquilhagem novos ou em bom estado.

Se passar um ano (ou mais!) a rever e a utilizar de facto todos os produtos que tem em casa, livra-se de tralha, poupa dinheiro e depura os seus essenciais até chegar àqueles de que gosta verdadeiramente e quer substituir por um igual ou muito parecido quando acabarem. Aí, nessa fase, já pode fazer sentido uma vez por outra, entrar na montanha-russa dos calendários do advento e explorar as novidades.

Os velhinhos calendários personalizados e reutilizáveis são uma boa opção. Em família ou entre amigos, podem combinar a contribuição de cada um, para que todos possam oferecer e receber um mimo ao longo do advento. Não precisam de ser coisas compradas, basta deixar fluir a criatividade.

Em alternativa, com amigos, a dois ou em família, podem fazer um “semanário do advento”, em que cada um sugere um passeio, um livro, um filme ou uma atividade para fazerem em conjunto em cada semana antes do Natal. O importante é desfrutar da companhia e proporcionar bons momentos e memórias, mais duradouros que qualquer produto-estrela de beleza.

 

No final de contas

 Se depois de fazer o diagnóstico da gaveta de cosméticos, escolher uma marca em cujos valores se reveja e selecionar um calendário cujo conteúdo seja útil além de apetecível, então siga em frente e desfrute a 100% de cada produto.

Uma decisão consciente e informada, em equilíbrio, é o bom caminho. Ninguém está a concorrer a miss universo, e consumir de forma consciente não é o mesmo que renegar todo e qualquer consumo. Não adianta alimentar julgamentos nem sentimentos de culpa, que a vida é curta e para esse peditório já há contribuições que cheguem.

Viva os bons momentos deste advento, mime-se a si e aos outros e espalhe felicidade, alegria e beleza, sob todas as formas.  

 

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